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25 de Abril de 2024

A Lei de Recuperação Judicial e a questão fiscal

Publicado por Érica Guerra
há 9 anos

A Lei nº 11.101, de 2005, que irá completar dez anos de vigência em junho, passou a regular, a partir de 8 de junho de 2005, a recuperação extrajudicial e judicial de empresas, assim como a falência. De fato, após inúmeras vicissitudes na tramitação legislativa – que durou cerca de onze anos -, a nova legislação trouxe diversas inovações ao direito concursal. Alterou conceitos e termos jurídicos, extinguindo a concordata e a continuação dos negócios pelo falido, como previsto no revogado Decreto-Lei nº 7.661, de 1945. Introduziu a recuperação extrajudicial e judicial de empresas, modificando radicalmente o sistema falimentar então vigente.

Desde então, as modificações decorrentes da aplicação da nova lei estão sendo observadas. Celeridade para concessão da medida, recuperação de ativos, satisfação do crédito trabalhista, eficácia da manutenção da atividade econômica, desburocratização em relação ao micro e pequeno empresário, punição rigorosa de crimes falimentares, enfim, muitos princípios da nova lei demandam observação atenta. Interessante estudo da FGV/Rio, junto com o Ministério da Justiça, publicado em junho de 2010, da série "Pensando o Direito", apresenta pesquisa séria sobre diversos destes temas, baseado em dados de tribunais coletados em diversos Estados da federação.

Com efeito, um dos maiores problemas para a empresa que pretende obter ou está em recuperação judicial foi e continua sendo seu passivo tributário (artigo 57 e 68 da Lei nº 11.101, de 2005). Na verdade, compete ao Judiciário equilibrar os interesses em conflito, notadamente entre o soerguimento pretendido pela empresa que busca a recuperação (empregos, aquecimento econômico), e o interesse público para recebimento dos tributos devidos (saúde, educação, segurança, por exemplo).

O grande desafio da lei é manter o equilíbrio entre o interesse social com o soerguimento da empresa

É que, com o intuito de preservar o interesse social na manutenção de empresas viáveis como geradoras de riquezas, e em sintonia com o princípio da capacidade contributiva, o legislador pretendeu conceder às sociedades em recuperação judicial o direito ao parcelamento dos créditos tributários. Assim, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) estabeleceu que, enquanto não for editada lei específica sobre o parcelamento dos créditos tributários de devedores em recuperação judicial, parece evidente a impossibilidade de aplicação do disposto nos artigos 57 da Lei nº 11.101, de 2005, e do artigo 191-A do CTN no sentido de exigir a prova da suspensão da exigibilidade do crédito tributário (Recurso Especial nº 1.187.404).

A nova questão jurídica surge com a recente Lei nº 13.043, de 13 de novembro de 2014, instituindo parcelamento de dívidas fiscais, especialmente para as sociedades em recuperação judicial. O artigo 43 conferiu nova redação ao artigo 10-A da Lei nº 10522, de 19 de julho de 2002, instituindo um parcelamento específico para pagamento das dívidas tributárias de sociedades em recuperação judicial.

Todavia, após um exame mais cuidadoso, parece que a simples edição de lei especial, da forma como foi disposta, não resolve a questão. Primeiro, o artigo 44 da Lei nº 13.043, de 2014, determina expressamente que a Secretaria da Receita Federal e a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional editarão os atos necessários à efetivação desse parcelamento. Assim, tratando-se do parcelamento, enquanto a lei não for regulamentada, a sua eficácia é limitada. Segundo, no parágrafo primeiro, o legislador exige que o contribuinte inclua no parcelamento a totalidade dos seus débitos tributários, inscritos ou não na dívida ativa, mesmo que discutidos judicialmente, enquanto o parágrafo segundo condiciona a concessão do parcelamento à desistência expressa, e de forma irrevogável, de qualquer impugnação, ação ou recurso e, cumulativamente, a quaisquer alegações de direito sobre as quais se fundem as lides administrativas e judiciais.

Estas duas exigências criadas pela lei são de duvidosa constitucionalidade.

No primeiro caso, impor ao contribuinte a renúncia ou ônus para o exercício de um direito que a Constituição da República lhe assegura pode significar legislar de forma abusiva (vale conferir a Súmula Vinculante nº 28, do STF). Ademais, o STJ tem entendimento pacífico no sentido de não aplicar a renúncia para aderir ao parcelamento.

Há ainda parte da doutrina que considera mesmo inconstitucionais os artigos 57 da Lei nº 11.101, de 2005, e do artigo 191-A do CTN, por desrespeito ao princípio da razoabilidade. Sustenta que o legislador não pode condicionar a concessão da recuperação judicial à comprovação da regularidade do crédito tributário, pois o mesmo não se sujeita a recuperação judicial. Em decorrência da supremacia das normas constitucionais, nenhum ato jurídico será válido se for contrário à Constituição.

Por isso mesmo, prestes a completar dez anos de vigência, o grande desafio do direito falimentar moderno e da lei de recuperação brasileira é manter o equilíbrio entre o interesse social com o soerguimento da empresa, a satisfação dos credores e o respeito aos direitos do devedor.

Este é o primeiro de uma série de três artigos sobre os dez anos da Lei nº 11.101, de 2005.

Luis Felipe Salomão e Paulo Penalva Santos são, respectivamente, ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e advogado e professor da FGV/RJ. Também são autores do livro "A nova lei de falências e de recuperação de empresas", da Editora Forense

Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações

Fonte: Valor | Por Luis Felipe Salomão e Paulo Penalva Santos

Publicado em: 09 fev 2015 | 08h 48m 53sCategorias: Valor

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